sábado, 17 de agosto de 2019

Estou perdida. Não sei onde estou, nem para onde vou. Falta-me o norte, o sul e outros pontos cardeais. Escrevo isto e acho que já o escrevi noutra altura. só não sei se nesta vida ou noutra. Tento encontrar a melhor posição para escrever, e para fazer tudo o resto. Ás vezes acho que posso estar deprimida. Outras, ser deprimida.
Continuas a visitar-me em sonhos, nunca felizes sobre o que não foi. Invades o meu descanso e entranhas-te no meu dia a cirandar pelas memórias, pelos locais onde nunca estivemos, e pelos meus pensamentos.
Quando termina?

terça-feira, 30 de abril de 2019

Ser não sendo II

E o tempo passa e deixa um rastilho daquilo que era suposto acontecer, mas não aconteceu. Prende-nos a palavra, o ser e o sentido. A catapulta das memórias passadas fazem-nos construir hologramas num futuro paralelo ao que teremos, com crenças que perdemos com o tornar do presente passado.
Insistimos em revisitar o futuro holograma, abrimos uma fossa entre o ser e o que se fosse, que nos leva para dimensões que nos sugam a energia e a alma.
É - digo eu, que nunca lá estive - como viver em órbita perto de um buraco negro. Podemos ter alturas em que estamos naquele ponto certo, em equilíbrio perfeito com a gravidade, a massa e a distância e tudo flui, e outras em que um pequeno olhar para trás nos deixa a fazer elípticas sem rumo, em busca ora do abismo, ora do equilíbrio.
Caminhamos, umas vezes com o destino definido em GPS, outras a guiarmo-nos pelas estrelas, e outras ao sabor do vento e da memória, que nos leva inospitamente para lugares onde nunca quisemos estar, e depois nos embala num mundo de sonhos

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Ser não sendo

Tenho uma garrafa de vinho e dois copos. Só um deles tem vinho. Tenho uma longa história para contar. Só uma versão dessa história. Tenho um amor que não cabe no peito, mas só um corpo, quando era suposto haver dois para ela ser real.
Tenho uma história, como toda a gente. Ela não tem um final feliz, embora tenha momentos de êxtase de felicidade que não cabem no universo. A história é banal, fugaz, cliché até. Não sei se não tenho palavras para a contar, ou se ainda não as inventaram. Nem se me é permitido, na minha humilde condição humana de quem bebe uma garrafa de vinho sozinha, com dois copos, a proferir em voz alta.
Falta-me a outra parte. Procurei-a incessantemente por entre becos e ruelas, por entre espaços inimagináveis na condição humana mais reles. Procurei clarividência, e achei que a tinha encontrado porque vinha junto com razão. E a razão vence tudo. Ou deveria vencer.
Estou, na minha condição mortal cada vez mais presente à medida que os anos avançam, à espera de respostas que cada vez me parecem mais sobrenaturais ás coisas pelas quais tenho dúvidas. Divago sob a incerteza do futuro sem rumo, nem fumo, seja ele branco ou não, de respostas perdidas no tempo e lançadas ao vento.
Deito a cabeça a cada esquina à tua procura. Onde estás? Quem és afinal? Cruza-se a linha do real e imaginário, reduzida a sonhos, ora a dormir ora acordada, de uma realidade que poderia ser paralela a este mundo ridículo, mas que acaba sendo um sonho-pesadelo imaginado na sua concepção, mas real em todas as suas sensações e sentimentos.
Como viver assim? Esperar por uma substituição, qual jogo em que o árbitro apita e surge alguém, à partida mais capaz de  cumprir a função de me fazer amar de forma inteira, de me completar, de me dar um chão e uma mão? Ou esperar de forma feérica, mas por vezes real, que tudo mude, fique como dantes. Que voltes capaz de me arrancar o chão, de me dar a mão e o colo, e o abraço e o beijo que voltam a alinhar o norte e os outros pontos cardeais?
Não sei a quem pertence o futuro. Sei, porque já não me anulo a esse ponto, que mereço um. Que quero um. Porque alguém sem colo não é alguém. Porque para ser não basta estar.
Queria respostas. A mesa posta ao abrir a porta daquela que é agora a minha casa e ouvir o ecoar da tua voz, murmurando o meu nome sem dificuldade. Queria depois a segurança de um abraço que me faria poderia tudo. Ser tudo. Ter tudo.
Mas não tenho.
O que faço agora?

sexta-feira, 15 de março de 2019

Você vira Tu

Estava calor. Escondias uma coisa que tinha visto a meteres debaixo da torneira que jorrava água morna aquela hora. Primeiro deixaste a água correr, depois ensopaste uma coisa que não percebe o que seria. Saímos de casa, colocaste a chave debaixo da porta - que mais tarde tirarias com um ramalho - e caminhamos para a horta. E voltei a perguntar: o que é isso? É pão... com quê?
E mandaste-me fechar os olhos. Veio-me à boca um sabor húmido, desprovido de sal, mas com a textura do sal, que fazia crescer água na boca.
Sei que não fizeste de propósito, mas contaste primeiro que quando eras da minha idade, o pão fazia-se uma vez por semana, e que nos últimos dias já estava duro. Então a avó velhinha, molhava-o em água, e metia-lhe açúcar. E o que de duro simbolizava a vida, ficava doce e era motivo de festa. Descíamos o carreiro, e eu pequena, tu grande perante a minha altura, senti-me orgulhosa de ter provado o tempo, o espaço, e a infância, carregada de marcas que viveste.
Não sabia isto na altura, mas sei-o agora. Dizem que somos parecidas. Eu sei que aquele pão com açúcar ensopado na água ainda meio morna foi o melhor deleite do meu verão, e me levou para um antigamente que não sabia ter sido à tanto tempo. Na minha pequenez, nem sabia ainda o que era a velhice, nem o tempo.
Importava o agora.
"Vó, das-me mais?"
"Só se não disseres à tua mãe".
E noutra trinca voltei a tua infância, de pedras de sal doces.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Incertezas

Sentas-te, com a incerteza se já acordaste ou ainda estás no transe da noite, nem sempre escura. Fechas os olhos. Ou melhor, pensas em fechar os olhos, e logo a tua mente vagueia para lugares desconhecidos, estranhamente familiares em detalhes peculiares. Chamas por quem achas que conheces, mas que afinal nem por isso. Ninguém responde, e talvez nesse silêncio, tenhas uma resposta em surdina. A presença fantasma vai-se desvanecendo no tempo, e certa que ela ainda existe e que pode voltar a qualquer momento vais respirando fundo, sem a certeza, ainda, se é para ela voltar, ou para ir embora para sempre. 

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Ponto final.

O amor não tem dimensão. Nem credos, nem crenças. Nem lugar. O amor é amor e ponto final.
Ás vezes cruza-se contigo num olhar que se cruza, outras numa esquina. E ás vezes chega-te o amor dos outros. De um pai por uma criança, de dois velhinhos com as mãos em trança.
Hoje, chegou-me o amor dos outros da forma mais genuína que já pude assistir. Arrependo-me agora por não ter dito isto a quem de direito. O amor desconcertante. Que te deixa enamorada e com vontade de estar também apaixonada. De partilhar uma manta em dias de frio, de não estar sentada sozinha à beira de um rio.
Quando se ama, ama-se, e ponto final. 

quinta-feira, 24 de janeiro de 2019

world wi(l)de web

A conversa surge com metáforas mascaradas, só entendidas por quem as diz. As meias palavras perdem-se na viagem entre os fios, as ondas e as transmissões eletricas que fazem o mundo. Encurtamos a distância brincando ás conversas por teclas, também elas já hoje virtuais. Ouvimos a voz que não reconheceríamos por entre cada notificação. Na conversa não há calor humano. Há caras sorridentes, sempre amarelas de quando em vez trocadas por animais ou gifts que despertam o riso para o ecrã. O tempo passa realmente, porque fica a hora do envio, e ás vezes o tempo em que a mensagem foi enviada. Onde fica o mundo real?

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Pedro e Inês

A eloquência dos dias saltita entre o real, e o real imaginário que se cria com a debilidade traiçoeira da mente. Caímos sem nos mexermos, brincamos com o ar como se de um instrumento musical se tratasse. Divagamos para fora das quatro paredes para o passado longínquo, na esquina da mente a cantar para o presente, que se materializa em passos firmes à nossa volta. Gritamos com voz doce e meiga, tentando encontrar um fio que seja o da realidade, para voltar a alimentar o presente com o pensamento, mas falhamos. Viramo-nos em todas as direções possíveis para encontrar o caminho, mas ele aparece e desvanece-se no ar. Tão depressa como apareceu. E continua-se a cruzar o passado e presente. O futuro? O que será e onde andará?

sábado, 5 de janeiro de 2019

(Continuação)

E a magia acaba, tão depressa com começou - e leva com ela o chão, o pão e todas as coisas imagináveis que soam a despedida. Minto. Talvez acabe mais depressa que começou. Porque começou leve, sem aviso mas delicado, caminhando sobre telhados de vidro e sem atirar pedras, saboreando cada passo. E acabou num abismo sem fim nem principio, onde caímos ad eternun. Pousamos a cabeça na almofada, recostamo-nos no carro, fechamos os olhos na esperança de acordar da vida ou do sonho, sem ter a certeza em que dimensão estamos. Passou o ano, a somar aos tantos que já passaram, e é a falta de céu e de norte que nos faz perceber que acabou mesmo.