terça-feira, 30 de abril de 2019

Ser não sendo II

E o tempo passa e deixa um rastilho daquilo que era suposto acontecer, mas não aconteceu. Prende-nos a palavra, o ser e o sentido. A catapulta das memórias passadas fazem-nos construir hologramas num futuro paralelo ao que teremos, com crenças que perdemos com o tornar do presente passado.
Insistimos em revisitar o futuro holograma, abrimos uma fossa entre o ser e o que se fosse, que nos leva para dimensões que nos sugam a energia e a alma.
É - digo eu, que nunca lá estive - como viver em órbita perto de um buraco negro. Podemos ter alturas em que estamos naquele ponto certo, em equilíbrio perfeito com a gravidade, a massa e a distância e tudo flui, e outras em que um pequeno olhar para trás nos deixa a fazer elípticas sem rumo, em busca ora do abismo, ora do equilíbrio.
Caminhamos, umas vezes com o destino definido em GPS, outras a guiarmo-nos pelas estrelas, e outras ao sabor do vento e da memória, que nos leva inospitamente para lugares onde nunca quisemos estar, e depois nos embala num mundo de sonhos

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Ser não sendo

Tenho uma garrafa de vinho e dois copos. Só um deles tem vinho. Tenho uma longa história para contar. Só uma versão dessa história. Tenho um amor que não cabe no peito, mas só um corpo, quando era suposto haver dois para ela ser real.
Tenho uma história, como toda a gente. Ela não tem um final feliz, embora tenha momentos de êxtase de felicidade que não cabem no universo. A história é banal, fugaz, cliché até. Não sei se não tenho palavras para a contar, ou se ainda não as inventaram. Nem se me é permitido, na minha humilde condição humana de quem bebe uma garrafa de vinho sozinha, com dois copos, a proferir em voz alta.
Falta-me a outra parte. Procurei-a incessantemente por entre becos e ruelas, por entre espaços inimagináveis na condição humana mais reles. Procurei clarividência, e achei que a tinha encontrado porque vinha junto com razão. E a razão vence tudo. Ou deveria vencer.
Estou, na minha condição mortal cada vez mais presente à medida que os anos avançam, à espera de respostas que cada vez me parecem mais sobrenaturais ás coisas pelas quais tenho dúvidas. Divago sob a incerteza do futuro sem rumo, nem fumo, seja ele branco ou não, de respostas perdidas no tempo e lançadas ao vento.
Deito a cabeça a cada esquina à tua procura. Onde estás? Quem és afinal? Cruza-se a linha do real e imaginário, reduzida a sonhos, ora a dormir ora acordada, de uma realidade que poderia ser paralela a este mundo ridículo, mas que acaba sendo um sonho-pesadelo imaginado na sua concepção, mas real em todas as suas sensações e sentimentos.
Como viver assim? Esperar por uma substituição, qual jogo em que o árbitro apita e surge alguém, à partida mais capaz de  cumprir a função de me fazer amar de forma inteira, de me completar, de me dar um chão e uma mão? Ou esperar de forma feérica, mas por vezes real, que tudo mude, fique como dantes. Que voltes capaz de me arrancar o chão, de me dar a mão e o colo, e o abraço e o beijo que voltam a alinhar o norte e os outros pontos cardeais?
Não sei a quem pertence o futuro. Sei, porque já não me anulo a esse ponto, que mereço um. Que quero um. Porque alguém sem colo não é alguém. Porque para ser não basta estar.
Queria respostas. A mesa posta ao abrir a porta daquela que é agora a minha casa e ouvir o ecoar da tua voz, murmurando o meu nome sem dificuldade. Queria depois a segurança de um abraço que me faria poderia tudo. Ser tudo. Ter tudo.
Mas não tenho.
O que faço agora?