segunda-feira, 31 de maio de 2010

Lado

Ia já frio o dia, e isso adivinhava uma hora tardia. Pelo meio de murmúrios acesos em faiscas de muitas coisas que com o tempo ficaram por dizer, o olhar que se entre cruzava de quando em vez, queimava.
Em flashback passa-nos por uns segundos de memória, sem a exactidão de ser um dèjávu, ou um sonho ilusório, qualquer coisa como tudo o que poderia ter sido.
Muito tempo passou. Anos, ou simplesmente dias, não sei ao certo.
Foram as nossas decisões, foi a nossa escolha, é agora a nossa vida. É este o nosso tempo.

sábado, 29 de maio de 2010

"A dor que dói mais"

"Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dóem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.

Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Dóem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.
Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.
Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer."

Martha Medeiros

quinta-feira, 27 de maio de 2010

"Um funeral à chuva", um filme de Telmo Martins

Português, e bom, pelo que o trailler demonstra. Só não consigo por aqui o video. Mas espero que valha a pena ver!




Porque "o inseperado te faz voltar ao passado"!

"Pela forma como o filme foi feito, sem qualquer apoio estatal e com os actores e técnicos a trabalharem sem receber nada, devemos todos ir assistir, não só para ajudar, mas também porque o filme é mesmo bom." (comentário de alguém que viu a antestreia)

terça-feira, 25 de maio de 2010

Hoje

Hoje uma folha branca não chega. Hoje não chega o sol, hoje não chega um sorriso, uma mensagem. Hoje nem o Mundo chega. Este meu Mundo, que embora feérico, e com pedaços de irreal, não tem a tua presença, nem o teu cheiro, nem o teu olhar. Hoje, no meu Mundo, tudo isso seria essencial. Tudo isso me faria ter os olhos abertos.
Hoje, tanto mais do que ontem, quero-te aqui.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Aquilo que é o melhor para nós nem sempre é o mais fácil. Mas, em última análise, é o que realmente compensa.


José Couto Nogueira "O beijo é uma forma de diálogo" George Sand

quinta-feira, 20 de maio de 2010

A ordem das coisas

Á vezes, pensamos da de traz para a frente, pela ordem correcta das coisas, e quando chegamos ao ponto que nos faz doer, ripostamos, esperneamos, e queremos que o nosso cérebro ensine o nosso coração a parar de doer, a parar de nos fazer pensar. Obrigamos a nossa mente a acreditar que tudo foi um equivoco, uma ilusão de óptica. E paramos. E pomo-nos a pensar ao contrario. Da frente para traz. E quando acabamos, já não sentimos a dor, porque ela é apaguisada por todos os outros momentos. Pelo Natal assinalado, pelo Ano Novo desejado. Por todos os parabéns, pelas gargalhadas, pelos sorrisos, e pelas conversas cúmplices, que tinham palavras, mas que pouco precisavam delas.
E as conclusões fogem de nós. E ironicamente, a saudade nostálgica domina-nos o corpo e a mente...

quarta-feira, 19 de maio de 2010

"- Como pude demorar tanto tempo a perceber que me amavas? - disse-lhe eu mais tarde. - Como é que pude demorar tanto tempo a perceber que te amava?

- A culpa é minha - disse Morini na escuridão -, sou muito desajeitado. "



2666, Roberto Bolaño

domingo, 16 de maio de 2010

Saudosismo

'a saudade não constrói. não é possível avançar enquanto se olha para trás. o saudosista chora, no presente, por aquilo que se riu no passado. nunca está feliz. eu prefiro ser sonhadora e gozar hoje com o sol que fará amanhã - ou não fará, mas entretanto eu já o gozei. prefiro, sobretudo, aproveitar o sol que brilha neste exacto instante. o sol de hoje, por muito fraco, há-de ser sempre mais brilhante que o de ontem.'

Não sei quem escreveu. Mas gosto!

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Dèja vu

Pareceu-me que alguém puxava o cabelo longo, espesso, mal apanhado. O resultado de desleixo, adiamentos de idas ao cabeleireiro, estava à vista. Pontas sem disciplina, cabelo sem corte. E o puxão foi delicado e suave. Deixou-se de ouvir a música, deixou-se de sentir o frio. Era impossível, mas estavas aqui. Não durou mais de uns segundos. Mas foi real. Virei-me mais por instinto que por outra coisa, e juro que se não tivesse constipada teria cheirado o perfume, o teu perfume. Agora encontro-me algures a flutuar entre a realidade e os sonhos.

Mas não serão, afinal, a mesma coisa?

quarta-feira, 12 de maio de 2010

"Como explicar-te como tudo isto se te tornou alheio, como tudo te pareceria agora estranho, como nada do que foi teu vigia o teu hipotético regresso? (...) E arranquei a página da agenda com o teu nome e o teu número de telefone. Veio a seguir Abril e depois o Verão. Vi nascer a flor da tremocilha e das buganvílias adormecidas, vi rebentar o azul dos jacarandás em Junho, vi noites de lua cheia em que todos os animais nocturnos se chamavam rãs, corujas e grilos, e um espesso calor sobre a devassidão da cidade. E já nada disto, juro, era teu. E foi assim que descobri que todas as coisas continuam para sempre, como um rio que corre ininterruptamente para o mar, por mais que façam para o deter.
Sabes, quem não acredita em Deus, acredita nestas coisas, que tem como evidentes. Acredita na eternidade das pedras e não na dos sentimentos; acredita na integridade da água, do vento, das estrelas. Eu acredito na continuidade das coisas que amamos, acredito que para sempre ouviremos o som da água no rio onde tantas vezes mergulhámos a cara, para sempre passaremos pela sombra da árvore onde tantas vezes parámos, para sempre seremos a brisa que entra e passeia pela casa, para sempre deslizaremos através do silêncio das noites quietas em que tantas vezes olhámos o céu e interrogámos o seu sentido. Nisto eu acredito: na veemência destas coisas sem princípio nem fim, na verdade dos sentimentos nunca traídos.
E a tua voz ouço-a agora, vinda de longe, como o som do mar imaginado dentro de um búzio. Vejo-te através da espuma quebrada na areia das praias, num mar de Setembro, com cheiro a algas e a iodo. E de novo acredito que nada do que é importante se perde verdadeiramente. Apenas nos iludimos, julgando ser donos das coisas, dos instantes e dos outros. Comigo caminham todos os mortos que amei, todos os amigos que se afastaram, todos os dias felizes que se apagaram. Não perdi nada, apenas ilusões de que tudo podia ser meu para sempre. "


in "Não te deixarei morrer, David Crockett" de Miguel Sousa Tavares

domingo, 9 de maio de 2010

Fazer viver

As grandes histórias de amor nunca acabam com "viveram felizes para sempre". Porque só quando se ama a sério é que somos capazes de ver alguém feliz (mesmo que não seja a 100%), e não lhe estragar a felicidade. Não fazer feitiços, boatos, artimanhas ou explosões de verdade que nos fazem contar tudo.
Só quando se ama  a sério se consegue amar para sempre.
Só quando se ama a sério se consegue fazer uma grande história de amor, e conta-la a sobrinhos, filhos, netos. Conta-la a um jovem sentado num banco de jardim quando esperamos que o sol aqueça os ossos, e lhe tirem o caruncho dos tempos. Conta-la com o olhar longe, tão longe que nem sabemos bem onde está. Conta-la com o mesmo brilho nos olhos, com o mesmo sorriso que a vivemos. Ensinar alguém com os nossos erros, fazer alguém sonhar.
Deixar viver a historia...

sábado, 8 de maio de 2010

O tempo que não é eterno

Quando se racionaliza e se pensa demais, as decisões surgem tarde demais,e sejam elas quais forem, já não valem de nada.

Daqui a uns tempos, será que temos tempo?

terça-feira, 4 de maio de 2010

Querer

Queria um abraço grande. Tão grande quanto grande é o Universo. Um abraço em expansão, onde cada vez mais juntos, aumentássemos tudo... Queria um chão. Queria um céu. Queria uma estrela que não me transformasse num buraco negro. Queria que tudo fosse fechado numa caixinha de fósforos, que seria tão densa quanto toneladas de coisas densas. Queria um sorriso. E queria o Universo.

sábado, 1 de maio de 2010

"Escrever é usar as palavras que se guardam. Se tu falares demais, já não escreves, porque te resta nada para dizer.."

Miguel Sousa Tavares, No teu Deserto

( Um dia, o teu silêncio será um livro, que só nós iremos ler. Perto ou longe, juntos ou separados, a alguém. A nós mesmos. )