sexta-feira, 16 de outubro de 2020

Andar(res)

 Levanto-me lentamente. Equilibro sobre as pernas o peso de anos afim. Ajusto o peso do corpo, pesado não pela sua massa, mas pela força gravítica dos pensamentos que perduram na minha mente. Ensaio os paços até à janela, e depois de lá recuo e avanço em pensamentos, na exata sincronização com que aperto as sapatilhas. 

Agarro uma ponta do atacador. Sinto o cheiro a mar...

...Agarro e faço um laço. Sinto o teu abraço. 

Faço o mesmo com o outro. A minha cara encosta na tua. 

Junto ponta com ponta. Começo a sentir-me tonta. 

Cruzo os atacadores, vem tudo num arrepio. Aquele dia... e depois o vazio. 

Fico com frio. Volto ainda mais pesada para o sofá. Surripei uma manta algures entre o corredor e a porta da sala. Deixo-os em todo lado, para quando frio chega me aconchegar e afastar o peso da solidão. É esse o pior de todos os pesos que os meus pés, enrugados, com joanetes, esporões e calos acarretam. Agarro outra manta para me tapar. Ouço a rua em eco na sala, e o pensamento em eco na casa, e o meu coração em eco na boca. 

Decido deitar-me. Desaperto as sapatilhas.   

Agarro uma ponta do atacador. Sinto o cheiro a mar...

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