domingo, 22 de novembro de 2009

Os erros que o acaso faz...

Considerar a Humanidade como um erro, Roger-Pol Droit, 101 Expériences de Philosophie
Quotidienne, Éditions Odile Jacob, Paris, 2001, pp.
151-152.:


«Tantas vezes nos disseram que éramos excepcionais! Centro do mundo, filhos de Deus, consciência do Todo, sal da terra, inteligência, seres falantes, espírito das ciências, vector do progresso. A nossa existência foi tão festejada por tantos mitos, religiões, filosofias, discursos complacentes, que não compreendemos os nossos desaires, as nossas baixezas, as nossas guerras intermináveis e infâmias sem nome. Houve, é claro, soluções de recurso explicando a nossa queda, a nossa maldição e a nossa dupla face. Podem experimentar uma desilusão mais radical, mas sem dúvida mais benéfica. Desfaçam-se de tudo o que possa constituir um qualquer sentido para a nossa existência. Considerem que a humanidade é um acaso, uma falha, um acidente biológico. Desenvolveu-se desordenadamente sobre uma rocha perdida num canto infinitesimal. Um dia, desaparecerá para sempre sem que ninguém dela guardememória, sem que ninguém se preocupe. Ao longo de dezenas de milhares de anos em que terá sobrevivido, esta curiosa espécie terá estagnado interminavelmente. Depois, ter-se-á multiplicado imprudentemente saqueando o seu mundo. Terá também acumulado, antes de desaparecer, uma quantidade de sofrimentos inimagináveis e inúteis, de massacres e fomes, de servidões e opressões. Observem lucidamente esta espécie absurda e violenta. Olhem no rosto a sua ausência de justificação, a sua existência efémera e insensata. Exercitem-se a amadurecer a ideia de que a humanidade não tem razão de ser nem futuro. Isto deverá contribuir para vos tornar serenos. É que, sobre este fundo de sem sentido e de horror, o estilhaçar de todos os sublimesvibra com uma graça sem igual. As músicas perfeitas, os quadros inesquecíveis, a glória das basílicas, as lágrimas dos poemas, o riso dos amantes…Tantas derivas do erro. Tantas surpresas inomináveis.»

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